Há histórias que parecem ficção — até acontecerem com alguém que poderia ser nossa vizinha, colega de trabalho, amiga de igreja. Foi assim com a mãe que procurou Carla Castro, terapeuta parental, para compartilhar um relato que carrega dor, medo e a força de quem decidiu proteger sua filha custe o que custar.
Ela nasceu e cresceu no Complexo da Maré. Sempre afastada da criminalidade, cristã, trabalhadora, conhecida por manter uma boa reputação na comunidade. Com o casamento, mudou-se para o Complexo da Penha, em uma época considerada relativamente tranquila.
Mas a paz tem prazo curto onde o crime manda.
Com o fim das ações de ocupação policial, os conflitos e o poder paralelo voltaram a dominar o território. E em dezembro de 2024, o pesadelo dessa família ganhou nome, rosto e ameaça: um gerente do tráfico da região decidiu que queria “namorar” sua filha de apenas 10 anos.
Sim, dez anos.
Eles foram avisados que o criminoso viria buscar a menina dentro de poucos dias para torná-la sua “mulher”. Desde então, passaram a ser vigiados dia e noite. O terror psicológico substituiu qualquer sensação de lar.
E entre perder tudo e perder a filha, a escolha foi imediata.
Sem anunciar a ninguém, colocaram poucas roupas em mochilas escolares, entraram no carro fingindo que as crianças iriam para a aula e nunca mais voltaram. Deixaram casa, bens, memórias — tudo para trás. Começaram do zero, com dívidas para conseguir alugar um novo local e o coração ainda em sobressalto.
A rotina? Reclusão. Medo constante. Uma infância interrompida pela violência que nem deu um tiro — apenas tomou o que quis.
“Eles não querem saber se é novinha, se é filha de gente do bem. Eles simplesmente tomam nossas meninas e destroem nossas famílias”, desabafou a mãe.

