Por Voz de Conquista
14 de julho de 2025
A cassação do mandato do vereador Natan da Carroceria, determinada pelo Tribunal Regional Eleitoral da Bahia nesta segunda-feira (14), reacende um debate incômodo, mas urgente: o da eficácia e da proporcionalidade da legislação eleitoral brasileira, especialmente no que se refere à política de cotas de gênero.
A decisão teve base legal clara. O partido Avante, legenda pela qual Natan foi eleito, foi acusado de fraude à cota de gênero por ter lançado uma candidatura considerada fictícia — uma candidata que não fez campanha, teve apenas um voto e possuía vínculos familiares com outro postulante. A lei, diante dessa constatação, determina a anulação de todos os votos da chapa proporcional do partido, independentemente da conduta individual de seus integrantes.
Ou seja: uma vez reconhecida a fraude, todos os candidatos da legenda são igualmente punidos. E é aí que reside o problema.
A aplicação dessa sanção está em conformidade com a lei, mas a pergunta que precisa ser feita é mais profunda: é essa a melhor forma de garantir justiça eleitoral e fortalecer a democracia? A punição coletiva, prevista atualmente, ignora um princípio essencial do direito moderno — a individualização da responsabilidade. A legislação, da forma como está redigida, não distingue quem fraudou de quem apenas disputou. Todos são atingidos com a mesma força, mesmo que tenham trajetórias, condutas e envolvimentos completamente distintos.
Este não é um episódio isolado. Casos de cassações com base em fraudes à cota de gênero têm se multiplicado em todo o país. Em São Paulo, ao menos 24 mandatos de vereadores foram anulados entre 2020 e 2023 por motivos semelhantes. Em 2023, mais de 700 ações envolvendo esse tipo de irregularidade tramitaram na Justiça Eleitoral. Em 2025, ao menos dez parlamentares já foram afastados com base na mesma legislação. A repetição do padrão não é sinal de justiça eficiente — é sinal de uma lei que criou incentivos para fraudes e punições desproporcionais para quem não as cometeu.
É urgente ampliar a participação das mulheres na política brasileira, ainda profundamente desigual. Mas uma boa política pública não pode ser avaliada apenas por suas intenções. Como afirmou o jornalista Roberto Motta, “não se julga uma política pública pelas suas intenções, mas pelos seus resultados.” E os resultados atuais são preocupantes: candidaturas fantasmas, judicialização excessiva, descrédito no sistema eleitoral e anulação de mandatos sem análise da responsabilidade individual.
Com a decisão do TRE-BA, quem assume a vaga na Câmara é a suplente Gabriela Garrido, filiada ao Partido Verde. A substituição, embora prevista legalmente, ocorre sem que a vontade direta do eleitorado sobre ela tenha sido testada no mesmo patamar do titular. Esse tipo de reposicionamento institucional, gerado por uma anulação em bloco, acaba transferindo o poder decisório das urnas para os tribunais, gerando instabilidade e dúvida sobre a representatividade efetiva dos mandatos.
Não se trata de questionar a atuação da Justiça Eleitoral. O tribunal cumpriu rigorosamente a legislação vigente. O que está em discussão é a qualidade dessa legislação, seu alinhamento com os princípios constitucionais de justiça e sua capacidade de lidar com a complexidade dos contextos eleitorais sem provocar distorções democráticas.
O caso de Natan da Carroceria é mais do que um desfecho jurídico. É um sintoma. Ele mostra que a legislação eleitoral precisa ser revisada para permitir a responsabilização proporcional, individual e justa. Continuar punindo indistintamente todos os integrantes de uma chapa por causa da fraude de um ou dois candidatos é legislar contra o bom senso — e, pior, contra o próprio eleitor.
Se a democracia é o regime em que o povo governa por meio do voto, não faz sentido manter uma regra que permita anular a vontade popular por erros administrativos e estruturais internos dos partidos. Reformar essa legislação é uma necessidade, não para proteger nomes, mas para proteger princípios.
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