A discussão sobre crime organizado no Rio de Janeiro costuma girar em torno da violência e das disputas territoriais. Mas existe um aspecto igualmente grave, porém frequentemente invisível: a cobrança de taxas ilegais que impactam diretamente a vida e o orçamento dos moradores das comunidades.
Um levantamento realizado pela Polícia Civil e divulgado pelo jornal O Globo revelou dados alarmantes sobre o funcionamento dessa economia paralela na Rocinha. São valores que mostram como trabalhadores comuns acabam financiando, involuntariamente, o tráfico.
Taxas sobre quem trabalha
Serviços essenciais ao deslocamento de moradores são alvos constantes de cobrança:
- Mototáxis: cada profissional paga, segundo o levantamento, cerca de R$ 150 por semana ao tráfico.
Considerando o grande número de mototaxistas na comunidade, isso representa aproximadamente R$ 318 mil por semana apenas desse grupo. - Vans: o transporte alternativo também sofre com a extorsão.
Cada van paga cerca de R$ 930 por semana. Com uma frota estimada em 60 veículos, a arrecadação chega a R$ 55.800 semanais.
Esses trabalhadores já enfrentam desafios intensos no dia a dia — trânsito, violência, falta de infraestrutura — e ainda precisam ceder parte da renda para conseguir exercer suas atividades.
Produtos básicos também são encarecidos
O impacto não se limita ao transporte. Até produtos essenciais chegam à Rocinha com valores mais altos devido à interferência do crime:
- O botijão de gás custa mais caro na Rocinha do que em Ipanema, mesmo sendo o primeiro um bairro com menor renda média.
Enquanto moradores de áreas nobres pagam o preço normal, os habitantes da comunidade sofrem um acréscimo que reflete o controle territorial e a falta de concorrência.
Isso significa que quem tem menos, paga mais. Uma injustiça que aprofunda desigualdades históricas.
O monopólio da internet “alternativa”
Outro exemplo citado no material é a chamada gatonet: serviços clandestinos de TV e internet administrados pelo tráfico, que passam a ser a única opção para o morador.
É uma forma de monopolizar serviços e impedir que empresas legalizadas atuem livremente na região.
Nem só milícia, nem só tráfico: o problema é estrutural
Quando se fala em exploração econômica por grupos armados, muitas pessoas se lembram imediatamente das milícias.
Mas os dados mostram que o tráfico também utiliza o mesmo modelo de extorsão.
O ponto crucial é: não existe lado “menos ruim” quando falamos de crime organizado. Seja milícia ou tráfico, o efeito sobre o trabalhador é o mesmo — exploração, medo e empobrecimento.
Um debate que precisa acontecer
As informações trazidas à tona revelam um cenário em que o morador da favela:
- paga mais caro para trabalhar,
- paga mais caro para comer,
- paga mais caro para viver.
Discutir segurança pública não pode se limitar ao combate à violência armada:
também é necessário enfrentar o impacto econômico e social do crime organizado nas comunidades.
Enquanto o poder público não garantir presença efetiva, acesso a serviços e liberdade econômica, quem continuará pagando a conta — de forma literal — é o trabalhador que já luta diariamente para sobreviver.


