O Brasil entrou novamente no centro de uma disputa internacional envolvendo gigantes da tecnologia. Em agosto de 2025, 81 empresas globais de tecnologia — entre elas Amazon, Google, Apple, Microsoft, Meta, Intel, Dell, Visa e Mastercard — enviaram uma carta ao governo dos Estados Unidos pedindo atenção especial às recentes medidas regulatórias do Supremo Tribunal Federal (STF), da Anatel e do governo Lula.
O documento foi encaminhado ao United States Trade Representative (USTR) pelo Conselho da Indústria da Tecnologia da Informação (ITI), que reúne algumas das maiores corporações do mundo digital. Assim, a mensagem é clara: as novas regras brasileiras podem criar insegurança jurídica, elevar custos de operação e prejudicar investimentos no país.
O que está em jogo
A carta das big techs lista quatro pontos centrais de preocupação. Entre eles, estão a responsabilização de conteúdo, regras para marketplaces, regulação da inteligência artificial e tributação das big techs.
1. Responsabilização de conteúdo (STF)
Em junho de 2025, o STF decidiu que plataformas digitais podem ser responsabilizadas por conteúdos postados por usuários mesmo sem ordem judicial. Dessa forma, a decisão enfraquece o artigo 19 do Marco Civil da Internet.
Além disso, para as empresas, a medida incentiva remoções preventivas, aumenta custos operacionais e pode, portanto, abrir espaço para censura indireta.
2. Regras para marketplaces (Anatel)
A Anatel também aprovou uma resolução que responsabiliza marketplaces — como Shopee, Amazon e Mercado Livre — por anúncios de produtos irregulares, mesmo quando atuam apenas como intermediários.
Por consequência, o setor vê a norma como um risco à liberdade de operação e alerta para a criação de um ambiente de insegurança jurídica.
3. Regulação da inteligência artificial (PL 2338/2023)
O projeto em discussão no Congresso prevê regras rígidas para o uso da inteligência artificial, incluindo remuneração obrigatória de autores cujos conteúdos forem utilizados por ferramentas de IA.
No entanto, as empresas alegam que o texto atual é tecnicamente inviável. Além disso, destacam que ele pode colocar o Brasil em desvantagem frente a países como a China, que avançam rapidamente no setor.
4. Tributação das big techs
O governo brasileiro discute ainda a criação da Contribuição Social Digital (CSD), que prevê tributação sobre publicidade digital e comercialização de dados de usuários.
Por outro lado, as big techs pedem que os EUA intervenham para evitar que o país adote políticas que isolem empresas estrangeiras ou contrariem normas tributárias internacionais.
Um mercado estratégico para os EUA
Além das críticas, o ITI ressaltou a importância do Brasil para a economia americana. Em 2023, o país gerou um superávit de cerca de US$ 5 bilhões para as exportações de tecnologia dos EUA.
Ou seja, para as empresas, vale a pena brigar para garantir condições mais previsíveis de operação em território brasileiro.
Tensão diplomática em pano de fundo
Essa movimentação não acontece isoladamente. Nos últimos meses, as relações entre Brasil e Estados Unidos ficaram tensas após a imposição de sanções a ministros do STF — incluindo Alexandre de Moraes — com base na Lei Magnitsky.
Portanto, o episódio aumentou o desgaste diplomático e fortaleceu a pressão sobre o governo Lula em sua relação com Washington.
O que pode acontecer agora?
O governo americano deve analisar as reclamações e avaliar se abre um painel de consultas ou até mesmo uma disputa formal no comércio internacional.
Enquanto isso, o Planalto segue com seus projetos de regulação digital, apostando em maior controle sobre plataformas e tributação das big techs.
Assim sendo, a grande questão é: até que ponto o Brasil conseguirá equilibrar soberania regulatória e manutenção de investimentos estrangeiros em um dos setores mais dinâmicos da economia mundial?
A carta das big techs marca um novo capítulo na disputa entre regulação nacional e interesses globais.
De um lado, o governo brasileiro busca regras mais rígidas para proteger consumidores, garantir tributação e regular o ambiente digital.
Por outro lado, as empresas alertam que as medidas podem afastar investimentos e reduzir a liberdade de expressão online.
Em resumo, o desenrolar desse embate terá impacto direto não apenas nas empresas, mas também nos usuários brasileiros e no posicionamento do Brasil no cenário tecnológico internacional.