A esquerda brasileira vive uma crise silenciosa. O que antes era um projeto voltado às questões materiais — como renda, trabalho e desigualdade — tornou-se um espaço dominado por debates simbólicos. Hoje, linguagem e identidade parecem pesar mais do que as condições reais de vida.
O alerta de Sávio S. de Oliveira
O cientista político Sávio S. de Oliveira, doutorando em Ciência Política pela USP e criador do projeto Despolarize-se, tem chamado atenção para esse desvio. Para ele, ao abraçar o identitarismo, a esquerda acabou esquecendo as demandas concretas de amplos setores da sociedade, especialmente das mulheres comuns.
Segundo Sávio, o problema não está em reconhecer novas identidades. O erro está em tratar o reconhecimento como substituto das pautas reais. Enquanto discussões sobre “performance de gênero” dominam ministérios e conferências, temas urgentes — como a precarização do trabalho, a violência nas ruas e o peso do cuidado familiar — ficam em segundo plano.
A política transformada em discurso
Essa inversão de prioridades tornou a esquerda cada vez mais distante das bases populares. Muitos já não se veem representados por um discurso restrito a grupos urbanos e acadêmicos. Assim, a política deixa de ser prática e se torna um exercício de linguagem.
Além disso, quando tudo se reduz a símbolos e representações, o debate se esvazia. As causas perdem força e se transformam em slogans. A busca por resultados concretos dá lugar à disputa por narrativas, o que fragiliza o vínculo da esquerda com a realidade social que pretende mudar.
Reconectar política e realidade
Como observa Sávio, não há justiça social possível quando as causas se tornam abstrações. É preciso recuperar o contato com o que realmente estrutura a desigualdade: o poder econômico, o acesso a oportunidades e as condições de vida.
Portanto, a tarefa mais urgente da esquerda talvez seja olhar novamente para o cotidiano das pessoas. Isso significa ouvir mais e teorizar menos. Reaproximar-se das demandas reais é a única forma de retomar relevância política e credibilidade moral.
Enquanto permanecer refém da retórica identitária, a esquerda continuará falando para si mesma — e o país real seguirá em silêncio.