No campus da Academia Marinha dos Estados Unidos (USMMA), em Kings Point, Nova York, existe uma pintura que carrega memórias poderosas. Trata-se de “Christ on the Water” (em português, “Cristo na Água”), obra do tenente Hunter Wood, criada em 1944 para homenagear os marinheiros mercantes que enfrentaram tormentas durante a Segunda Guerra Mundial.
A cena retrata Jesus estendendo os braços para resgatar marinheiros que lutam contra o mar bravo — uma metáfora da fé como impulso salvador em momentos de perigo. Para gerações de cadetes da USMMA, esse quadro representou muito mais que uma peça decorativa: tornou-se um símbolo de sacrifício, coragem e esperança.
Durante quase 80 anos, a pintura permaneceu na sala Elliot M. See, no edifício Wiley Hall. No entanto, em 2023, a obra deixou de ocupar esse espaço histórico. Após pressão de grupos seculares, a administração decidiu transferi-la para o porão da capela da academia, longe da vista de cadetes e visitantes.
O apagamento e a restauração
A retirada do quadro provocou forte reação. Por um lado, a Military Religious Freedom Foundation (MRFF) argumentou que a exibição da obra em local público violava a Cláusula de Estabelecimento da Primeira Emenda, já que destacava uma imagem cristã em uma instituição federal. Por outro lado, ex-alunos e apoiadores da academia viram na decisão um ataque à memória histórica da USMMA.
Enquanto o debate crescia, especialistas de uma empresa de conservação da Pensilvânia iniciaram a restauração da pintura. Eles limparam a tela, removeram vernizes envelhecidos e recuperaram detalhes antes escondidos pela sujeira acumulada ao longo das décadas. Assim, a obra recuperou o brilho e as cores originais.
Em 29 de setembro de 2025, a USMMA realizou uma cerimônia especial para devolver “Cristo na Água” ao Wiley Hall. O Secretário de Transportes dos EUA, Sean P. Duffy, participou do evento e destacou que a pintura é parte fundamental da identidade e da missão da academia.
Debate público: fé, identidade e instituição militar
A reinstalação da obra reacendeu discussões sobre religião em espaços governamentais. De um lado, críticos alegam que o quadro pode comprometer a neutralidade institucional e transmitir a ideia de que a academia privilegia uma fé específica. De outro, defensores afirmam que a obra tem valor histórico e inspira gerações de cadetes, independentemente da religião de cada um.
Duffy ressaltou que devolver a pintura ao seu local de destaque representa “um reconhecimento do sacrifício e da fé que guiaram os marinheiros mercantes”. Entretanto, organizações como a MRFF anunciaram que estudam medidas legais para questionar a decisão.
Reflexões finais
A trajetória de “Cristo na Água” mostra como símbolos religiosos podem carregar significados distintos em ambientes públicos. Para alguns, a pintura é patrimônio histórico; para outros, ela representa um conflito com os princípios da laicidade do Estado.
Portanto, a questão não se resume apenas à arte em si, mas também à forma como instituições militares lidam com tradição, pluralidade e memória. Em última análise, esse episódio nos lembra que história e fé, quando se encontram, sempre despertam debates intensos sobre identidade e pertencimento.