Uma pesquisa recente do instituto Datafolha colocou em evidência um dado que chama atenção: 62% dos jovens brasileiros entre 16 e 24 anos disseram que deixariam o país se tivessem oportunidade. Esse índice representa cerca de 19 milhões de pessoas — o equivalente, segundo o levantamento, à população de um estado inteiro como Minas Gerais.
Mas esse número não aparece isolado: entre adultos (16 anos ou mais) a proporção também é relevante: 43% afirmaram que sairiam do Brasil se pudessem. (Poder360) E entre pessoas com ensino superior completo esse desejo alcança 56%. Portanto, estamos diante de um fenômeno mais amplo — embora mais agudo entre os mais jovens.
As motivações e o cenário
Vários fatores são apontados como explicativos desta vontade de migrar ou buscar oportunidades no exterior:
- Perspectivas econômicas e de emprego: O Brasil passou por uma forte recessão entre 2014-2016, seguida por crescimento muito modesto. Jovens são especialmente vulneráveis a esse tipo de cenário. Por exemplo, pesquisas mostram que a desocupação entre jovens de 15-29 anos saltou de 49,4% para 56,3% durante a pandemia.
- Frustração com expectativas: Conforme aponta o economista Flavio Comin (Universidade Ramon Llull, Barcelona), “o Brasil de 2010 promoveu expectativas de que nosso país seria diferente. O tombo foi maior quando se descobriu que não estávamos tão bem quanto se dizia”.
- Facilidade de mobilidade internacional: Hoje em dia, para muitos jovens, mudar de país ficou mais “acessível” — seja por intercâmbio, por residência, ou por visto de estudante/empreendedor. Isso muda o “custo psicológico” e prático de ir embora.
- Busca por qualidade de vida, segurança, educação, oportunidades: Embora não detalhado em todos os itens da pesquisa, os veículos que cobriram o levantamento citam preocupações com segurança, perspectivas de futuro, emprego e condição de vida como motores do desejo de mudança. (VEJA)
O que está em jogo para o Brasil
Esse fenômeno provoca uma série de reflexões importantes para o país:
- Fuga de talentos (“brain-drain”): Quando muitos jovens — especialmente os bem-formados — consideram deixar o Brasil, há risco de perda de capital humano que poderia contribuir para o desenvolvimento nacional.
- Força de trabalho e demografia: O Brasil encontra-se em um momento crítico no que se refere à sua força de trabalho jovem. Um grande número de pessoas desejando sair configura um desafio para manter vitalidade econômica. Já foi apontado que, sem políticas adequadas, há “desperdício” do bônus demográfico.
- Confiança nas instituições e no futuro: Quando jovens não acreditam que ficar no país lhes dará boas oportunidades, diminui-se o vínculo de cidadania, engajamento social e expectativas de contribuição. Isso tem impacto tanto social quanto econômico.
- Políticas públicas como resposta: Especialistas afirmam que não basta apenas esperar que o mercado “resolva” — são necessárias políticas que criem canais de conexão com jovens, promovam oportunidades, demonstrem que investir no Brasil vale a pena.
O que pode ser feito — sugestões para retenção e valorização da juventude
Para enfrentar esse desafio, algumas medidas ganham relevância:
- Melhoria do mercado de trabalho jovem: Investimentos em educação técnica, em formação profissional, em estágios de qualidade, para que os jovens não entrem no ciclo “nem nem” (nem estudando nem trabalhando).
- Fortalecimento da segurança jurídica, fiscal e institucional: Para que o jovem-profissional ou empreendedor sinta-se seguro em investir, empreender ou permanecer no país.
- Fomento à inovação e participação internacional: Muitos jovens querem sair porque veem no exterior mais oportunidades de inovar ou trabalhar globalmente. Criar condições para que possam fazer isso sem sair ou em modelo híbrido pode reter talentos.
- Reconhecimento e valorização do jovem como cidadão ativo: Mais do que empregos, trata-se de engajamento. Olhar para os jovens como agentes de transformação, dar voz, tornar as instituições mais próximas deles.
- Políticas de longo prazo e previsibilidade: Porque mudar gera custo e risco — se o país mostrar trajetória razoavelmente estável e previsível, isso pode reduzir o “fuga de cérebros” motivada por incerteza.
Considerações finais
A conclusão que se pode extrair desse levantamento do DataFolha é que esse desejo de sair do país, para muitos jovens, não nasce apenas da aventura ou da novidade — é uma resposta lógica a um conjunto de dificuldades: falta de perspectiva, sensação de que “o sonho” está mais além-mar, às oportunidades, menos no país de origem.
Se 62% dos jovens entre 16 e 24 anos afirmam que sairiam se pudessem, trata-se de um dado que sinaliza alerta — para o país, para os gestores públicos, para o mercado de trabalho e para a sociedade como um todo. Pois mais do que números, estamos falando de vidas, trajetórias, energia, talentos. E quando esses talentos não forem retidos ou bem aproveitados, o Brasil pode perder muito — não só em termos de contagem de “quem vai embora”, mas em termos de “quem fica e como fica”.
Para os jovens que ficam, porém, também há um grande ponto de partida: identificar onde estão as oportunidades, como se preparar para esse mundo globalizado, e ao mesmo tempo como construir — ou reconstruir — vínculo com o país, de modo a transformá-lo em lugar de permanência e não apenas de passagem.