A política brasileira nunca deixa de surpreender. E um dos episódios mais emblemáticos dos últimos anos ganha um novo capítulo: o senador Sergio Moro (União Brasil-PR), ex-juiz da Lava Jato, enfrentará julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) em um caso de calúnia contra o ministro Gilmar Mendes. O detalhe que chama a atenção é que, na 1ª Turma do Supremo, quem comandará o julgamento será justamente o ministro Cristiano Zanin, ex-advogado do presidente Lula — que já enfrentou Moro nos tribunais.
O caso que levou Moro ao STF
Em 2022, durante uma festa junina, Sergio Moro afirmou que era preciso “comprar habeas corpus do Gilmar Mendes”. A frase, registrada em vídeo, circulou novamente em 2023, quando ele já ocupava o cargo de senador.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) considerou a declaração ofensiva e acusou Moro de calúnia. Para a PGR, o comentário ultrapassou os limites da crítica legítima e atingiu a honra do ministro Gilmar Mendes.
Por outro lado, Moro alegou que a frase foi apenas uma brincadeira feita em ambiente festivo. Ele também sustentou que se retratou publicamente, o que deveria encerrar a ação penal. Ainda assim, a ministra Cármen Lúcia relatou o processo e a 1ª Turma do STF deve julgá-lo em outubro.
Zanin, o ex-advogado de Lula que julgará Moro
A presença de Cristiano Zanin nesse julgamento aumenta a carga simbólica do caso. Ele ganhou notoriedade nacional como advogado de Lula nos processos da Lava Jato e defendeu a tese da suspeição de Sergio Moro, que resultou na anulação das condenações do ex-presidente.
Em 2023, Lula indicou Zanin para o STF, e a decisão provocou críticas. Muitos afirmaram que a proximidade com o presidente poderia gerar conflitos de interesse em casos relacionados à Lava Jato. Agora, ironicamente, Zanin avaliará justamente quem um dia julgou seu cliente.
Além disso, Zanin surpreendeu parte da esquerda ao adotar posições conservadoras em temas como a descriminalização das drogas e o aborto. Dessa forma, demonstrou que seu perfil de ministro não segue previsões automáticas.
Gilmar Mendes e as acusações de Moro
Gilmar Mendes, um dos ministros mais experientes do STF, já foi alvo de críticas públicas em outras ocasiões. No entanto, o episódio envolvendo Moro chamou mais atenção porque sugeriu a possibilidade de “compra” de decisões judiciais.
Enquanto a PGR insiste que a fala prejudicou a honra de Gilmar, Moro continua afirmando que o vídeo foi tirado de contexto e usado politicamente contra ele. Portanto, a decisão do Supremo servirá como baliza para definir até onde vai a liberdade de expressão de parlamentares quando criticam magistrados.
O simbolismo político e institucional
Este julgamento vai além do mérito técnico e expõe questões centrais da política e da justiça brasileiras:
- Velhas batalhas reeditadas: Moro e Zanin, que se enfrentaram indiretamente na Lava Jato, voltam a se cruzar em lados opostos.
- Imparcialidade em debate: a atuação de Zanin reabre discussões sobre suspeição e imparcialidade em julgamentos com forte carga política.
- Liberdade de expressão e honra: o processo pode servir como precedente para outros casos em que políticos atacam magistrados.
- Credibilidade do STF: qualquer resultado — absolvição ou condenação — tende a ser interpretado como vitória ou derrota política, aumentando a polarização.
Considerações finais
O julgamento de Sergio Moro por Cristiano Zanin mostra como a política brasileira gira em ciclos cheios de ironias. O ex-juiz da Lava Jato, que antes julgava, hoje se vê como réu no tribunal onde atua o advogado que um dia o desafiou em defesa de Lula.
Mais do que um caso de calúnia, o episódio revela como papéis se invertem rapidamente e como as instituições enfrentam o desafio de se manter imparciais. No fim das contas, o mundo gira — e, no Brasil, gira em velocidade máxima.